A viatura não voltou para fazer uma abordagem, ela voltou mesmo foi pra matar. Um tiro à queima-roupa. Eu tava pendurando lençol no varal. Aí só vi Mariane correndo, com um olho que parecia que ia sair pra fora, mãe o Douglas tomou um tiro, mãe!
Deixa eu explicar. Porque isso eu não me canso de dizer. Acho que todo mundo tem que ouvir. No dia 16 de agosto de 2017 meu filho de 17 anos tomos 3 tiros no peito por um policial. Ele tava saindo de bicicleta com um colega dele aqui do bairro. A viatura chegou, parou, e depois saiu batida. No que ela voltou, meu filho não teve chance, foi três tiros assim ó, pá, pá, pá, bem perto do peito dele. Nem um metro chegava.
Foi a própria polícia que socorreu meu filho. E é isso que eu falo pra todo mundo, né. É isso que me marcou, foi meu filho dizer que. Olha, você me desculpa tá, nessas horas dá uma vontade de chorar, mas eu me seguro. Vou me segurar agora. É que dentro da viatura, o colega do meu filho contou que ele ficava repetindo, Ô pai, por que ele me atirou? O que que eu fiz pra ele, pai?
Aí no hospital eu caí em desespero. Saí correndo. Depois de uns 15 minutos eles contaram pra minha irmã que tinha ido comigo, falaram ó, por mais que tentasse salvar o menino, não ia ter como salvar a vida dele. Porque o tiro dividiu o coração dele em dois.
Depois do tiro, aí veio aquela anarquia toda. A população se revoltou, queimaram ônibus, invadiram agencias bancárias, enfim, dois dias de revolta da população. E o policial? Ele foi preso em flagrante. Ele ficou 8 dias preso. Mas no dia que eu fui buscar o óbito do meu filho, eu recebi a notícia na rua de que aquele policial tinha saído. Ele tirou a vida do meu filho e só pagou com 8 dias de prisão. Na corregedoria ele até foi exonerado mas o promotor pediu a absolvição dele porque, segundo as palavras do promotor, tem que ter testemunha e, segundo as palavras do promotor, o armeiro da casa branca provou por A + B que a arma que matou meu filho disparava com um simples chacoalhão.
Aí é o que eu sempre digo né. A gente vê tantas ocorrências, é viatura correndo pra lá, passando em lombada. Mas a gente não vê que não sai nenhum tiro, é o que eu falei pro promotor do caso, eu falei, então quer dizer que até o senhor, se tiver na frente de uma arma dessas o senhor também vai tomar um tiro? Porque se ela dispara com um simples chacoalhão! Enfim, só sei que ele foi absolvido. E agora minha luta é provar que aquela arma não tinha defeito. E eu prometi pro meu filho. Prometi que só vou parar de lutar em busca de justiça o dia que eu morrer. Porque enquanto vida eu tiver, eu vou lutar. E assim eu me junto com as outras mães pra me fortalecer. Pra tá de pé né. Porque senão a gente cai. Porque eu costumo falar assim. Que a gente é preto, pobre, periférico. Mas meu filho tinha a pele branquinha, era bem branquinho. Mas se vestia como um pobre né. Por morar na periferia. Bermuda da Cyclone, boné, camiseta de marca. E nisso a policia acha que se ele se veste assim, que ele pode tá vendendo droga, ou é traficante. Meu filho. Ele estudava, ele trabalhava. Mesmo que meu filho tivesse um caminho ao contrário, ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém, principalmente a PM. Porque ela tá na rua pra dá segurança pra gente e não pra oprimir nossos filhos, não pra oprimir quem é preto. Quem é pobre. Quem é periférico. É o que eu falo sempre, é difícil né, essa caminhada é difícil. Olha vocês me desculpa tá. Pela dor. Porque com uma dor dessas ninguém chega perto. Ninguém quer te ouvir. Mas mãe tem que falar. E vocês vão me escutar.
[ M.E, 2018]
[ Transcrição da fala de uma mãe integrante do movimento Mães em Luto da Zona Leste- SP.]